Entrevista: All Aboard Family | De Mãe para Mãe

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Entrevista: All Aboard Family

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Catarina e Filipe Almeida decidiram dar a volta ao mundo com o filho Guilherme, de 3 anos, e ainda que a doença de Filipe o obrigue a fazer hemodiálise várias vezes por semana, esperam continuar a aventura depois do nascimento do pequeno Manuel. Os registos são feitos no blog “All Aboard Family”, onde partilham dicas sobre viagens em família.


1. Largar tudo para viajar é o sonho de muitos casais, mas a Catarina e o Filipe transformaram este sonho em realidade. Podem falar-nos um bocadinho mais sobre esta aventura? Como surgiu a ideia de darem a volta ao mundo?

Não foi uma decisão de momento. Foi uma ideia que se foi formando com o tempo. Trabalhava há 10 anos num serviço de apoio ao cliente que adorava, era team leader, mas trabalhar por turnos fazia-me perder muito tempo do Filipe e do Guilherme. O Filipe sempre foi mais desligado das "raízes", então, para ele, a escolha sempre foi simples. Sempre teve o desejo de ter uma casa em Bali.

As nossas viagens não são de hoje. Desde que nos conhecemos que viajamos juntos. Um dia de trabalho mais chato, cheguei a casa e disse ao Filipe: "’Bora, vamos dar a volta ao mundo". Primeiro o Filipe não acreditou, depois fomos comprar um mapa gigante e começámos a planear. Sabíamos que jamais o faríamos sem motivo, então criámos três missões: mostrar que é possível viajar com crianças; compreender que podemos largar tudo em busca do sonho e que nada é garantido; provar que uma doença não tem de ser uma limitação e ajudar outros a viajar. Esta última talvez seja a nossa missão mais forte.


2. E como fizeram para tornar esta viagem possível?

É importante que se compreenda que temos de definir prioridades. Ao contrário do que muitas pessoas pensam, não somos ricos nem vimos de famílias ricas. Somos ambos de famílias humildes, que tudo o que conseguiram foi com o esforço de (muito) trabalho. Sempre soubemos organizar o nosso dinheiro e isso ajudou-nos a estarmos focados, sem fazermos gastos desnecessários. Vendemos tudo: a casa, o recheio da casa, tudo o que consideramos desnecessário e o tuk-tuk do Filipe. Muitos pensam que ficámos sem nada mas, na verdade, ganhámos muito mais com a viagem e somos muito mais felizes hoje. Não gastamos dinheiro em roupas desnecessárias, nem jantamos fora todos os dias, não vamos a discotecas e por aí fora. Acho que compreendem onde queremos chegar.


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3. Qual foi o vosso primeiro destino de viagem? Como foi essa primeira experiência e que dificuldades tiveram?

Primeiro fizemos Bahamas, Cuba e México. Decidimos que queríamos viajar sem expectativas para podermos usufruir dos lugares como eles são. Viajar também não era novidade para nós, então a experiência correu muito bem. A única coisa que alterou foi o facto de estarmos 24h juntos, os três, e de trabalharmos juntos a partir daquele momento. O “All Aboard Family” tinha de ser alimentado e, ao início, era complicado conseguir perceber o rumo que queríamos levar. Duas cabeças cheias de ideias, que algumas vezes acabavam por chocar. Achamos que faz parte. Depois de conversarmos, em Cuba (o nosso segundo destino), compreendemos que o foco seriamos nós e a nossa experiência e começamos a trabalhar sem pressão, para um bem comum. Não nos custa mesmo nada passar tanto tempo juntos.


4. Como planeiam as vossas viagens familiares? É difícil escolher os destinos por terem gostos diferentes ou costumam estar de acordo neste aspeto?

Por norma estamos sempre de acordo. Eu gosto de praia, o Filipe adora surf. O Gui adora estar onde nós estivermos. Por isso é super simples planear. Destinos com sol, natureza e pouco explorados são os nossos preferidos.


5. O Filipe tem uma doença renal que o torna dependente da hemodiálise, correto? Isso faz-vos pensar duas vezes antes de partirem à aventura?

Quando descobri a hemodiálise senti que não poderia continuar a viajar. 10 dias depois o Guilherme nasceu e senti que precisávamos de ter todos uma vida o mais normal possível. Viajar é o que mais nos deixa felizes e, por esse motivo, não pensámos duas vezes antes de partir à aventura. Apesar disso, tive de fazer muitas pesquisas. Sou insuficiente renal e caso falhe um tratamento posso colocar em causa a minha vida, posso morrer, mas viver no medo não me leva a lado nenhum. Preferimos planear tudo e garantir que tudo corre da melhor forma possível do que entregar-me a uma doença. Primeiro decidimos que queríamos estar onde o sol estivesse - ajuda a diminuir a logística. Depois escolhemos os países de acordo com as condições das clínicas e dos tratamentos. Existem muitas clínicas ótimas em sítios que nem pensaríamos.


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6. No "All Aboard Family" relatam não só as vossas viagens, mas também o vosso quotidiano, partilhando com os vossos seguidores vários aspetos da vossa vida familiar. Como surgiu a ideia de criarem um blog e que impacto é que essa decisão teve nas vossas vidas?

A viagem não fazia sentido se não fosse para ajudar e inspirar outras pessoas. Quisemos tornar as nossas vidas em algo útil para outros. Sabíamos que as nossas vidas podiam ajudar outras vidas pelas três missões que traçámos. E isto tornou-se muito real: fomos crescendo de forma orgânica e temos connosco seguidores muito queridos que nos inspiram também a nós. Todos os dias recebemos várias mensagens de várias pessoas que nos agradecem o facto de estarmos deste lado e o como mudámos as suas vidas - doentes, pais e por aí fora. Não existe gratidão maior. Sabíamos que iríamos crescer, nunca pensámos que fosse tão positivo.


7. Conhecemos a Catarina e o Filipe como o casal que viaja pelo mundo e não se deixa vencer pelas adversidades. Como são a Catarina e o Filipe individualmente e enquanto pais?

Somos exatamente como nos veem. Mostramos exatamente aquilo que somos. Dentro de portas também nos chateamos, também discordamos de muitas coisas, somos um casal perfeitamente normal mas, no geral, somos aquilo que mostramos ser. O Filipe mais calmo, eu com mais energia e mais explosiva mas ambos somos uns pais muito tranquilos e descontraídos e deixamos o Guilherme ser criança.


8. Ser mãe mudou a forma como a Catarina encara o espelho? Porquê?

Não mudou nada. Compreendo perfeitamente que o meu corpo sofreu mudanças, foi casa de dois bebés e está a ser casa de um terceiro. Claro que tenho pena do meu peito nunca mais voltar ao que era, mas sei viver com isso.


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9. Um assunto delicado, mas que, infelizmente, está na ordem do dia para muitas famílias: uma gravidez interrompida. O Francisco foi diagnosticado com Síndrome de Dandy Walker, correto? Como lidou com a notícia e todo o processo de perda? Sendo este um tema ainda pouco falado... Que palavras diriam aos pais que passaram ou estão a passar por uma situação semelhante?

Sim, o Francisco foi diagnosticado com Síndrome de Dandy Walker. É um síndrome muito raro. Foi um processo extremamente doloroso. Queríamos ser pais e as experiências que tínhamos à nossa volta eram todas incríveis. Parecia que nada poderia correr mal, mas correu.

Lembro-me hoje e lembrar-me-ei para toda a minha vida de como foi difícil o processo físico e psicológico. Ninguém está preparado para ter de interromper uma gravidez pelas 24 semanas. Sentia-o mexer perfeitamente e, de um dia para o outro, dizem-nos que aquele bebé dificilmente iria sobreviver até ao final da gravidez. Tive de fazer parto, vimos o coração do Francisco parar e, nesse momento, só pensamos que a dor da perda nunca irá passar.

Para os pais que estão a passar pelo mesmo, diríamos que passa e, quando passa e os nossos corações acalmam, ficam apenas as saudades e a curiosidade de como é que ele seria. Temos um lema de que nada é por acaso, que devemos confiar e foi a isso que nos agarrámos. Chorámos muitos dias seguidos e conversávamos todos os dias acerca disso. Foi nessas conversas a dois que o nosso coração se foi aliviando e decidimos que não iríamos tomar nada e que seria o Francisco a decidir quando devíamos voltar a engravidar. Isto pode parecer estranho a quem lê, mas foi a nossa forma de ultrapassar. Também tive ataques de ansiedade e durante algum tempo não consegui ver ninguém, mas passa.


10. Dois meses depois desse momento, souberam que vinha a caminho mais um bebé. Para além do amor que só os pais conseguem sentir por um filho, o que representou a chegada do Guilherme?

Dizem-nos muitas vezes que o Gui é um bebé arco-íris - algo que nos chega logo após uma perda, só pode ser algo de muito bom. E foi. O Francisco é o Francisco e o Guilherme é o Guilherme. Nenhum ocupa o lugar do outro e ambos têm a sua importância nas nossas vidas. Somos gratos por ter vindo tão cedo porque nos ajudou a ultrapassar a dor e evitou que, mais tarde, quando quiséssemos voltar a engravidar, passássemos por um processo de ansiedade podendo não conseguir pela pressão que nos iríamos colocar. O Guilherme é o bebé perfeito para nós e não mudaríamos nada nele.


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11. Depois de 8 meses e mais de 25 países, decidiram fazer uma pausa nas viagens para receber o pequeno Manuel que, à data desta entrevista, ainda não tinha chegado. Uma vez que cada gravidez é única, quais foram as principais diferenças que a Catarina sentiu?

Enjoos! Nunca senti um único enjoo nos dois bebés anteriores. Neste, pelas 6 semanas, comecei a sentir muitos enjoos, em Taiwan e na Tailândia onde começam a cozinhar super cedo e onde os cheiros são muito intensos. Parecia que nunca mais ia voltar a ter um dia normal, mas felizmente, pelas 12 semanas, voltei a ter apetite e os enjoos foram embora.


12. Já sabem qual vai ser o primeiro destino do Manuel?

Queremos que seja em Portugal. Adoraríamos ir aos Açores e à Madeira. Neste momento, e ainda de quarentena, sabemos da importância de ajudar e de promover a nossa economia. Além disso adoramos o nosso país. Não haverá sitio mais bonito para levar o Manuel.


13. Quais serão os próximos destinos?

Por agora não sabemos. Não conseguimos planificar nem pensar em viagens enquanto a covid-19 estiver por aí. Acreditamos que as viagens vão ficar limitadas, até porque o Filipe faz parte do grupo de risco.


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14. Vocês provam que é possível viajar com crianças, viajar com uma doença e seguir um sonho. Que conselhos dariam aos pais que têm receio de o fazer? Quais as melhores dicas para quem viaja em família?

O medo está nas nossas cabeças. Os mais pequenos adaptam-se muito melhor às coisas do que nós pensamos. Desde que estejam connosco, estarão bem. Dizemos que não há diferença entre ir para o Algarve como para outro lado do mundo. Há crianças em todo o lado, que nascem em todos os países. O mundo está muito mais desenvolvido do que aquilo que pensamos e há comida e fraldas em todo o lado, até na Ásia! Posto isto, é descomplicar e ir. Escolher um destino que seja para o gosto de todos e para todos se divertirem.

Esqueçam as rotinas! Em viagem, devem ir com a maré e não são 8 ou 10 dias que vão determinar o resto do ano. Usufruam, sem pressões, e aproveitem a companhia de cada um. No nosso blog temos mais conselhos e detalhes acerca deste tópico de como viajar com crianças.




*Entrevista originalmente publicada na quarta edição da Revista De Mãe para Mãe, em julho de 2020.

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