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Desmistificar a toxoplasmose

Marcela ForjazMarcela Forjaz, Ginecologista e Obstetra


Não é raro ver grávidas manifestarem o seu receio relativamente à toxoplasmose, sobretudo no que diz respeito aos alimentos que podem, ou não, consumir. As dúvidas são muitas e isso leva-as, com frequência, a imporem uma série de restrições que não fazem sentido.


Mas do que estamos a falar ao certo?

A toxoplasmose é uma parasitose causada por um agente: “toxoplasma gondii”. É um parasita que se aloja no intestino do gato (o seu hospedeiro), que excreta os ovos do toxoplasma com as fezes. Assim, os locais onde as fezes se depositam tornam-se disseminadores do parasita. Exemplos disso são os pastos, as hortas ou as águas paradas, onde o gado pode ingerir esses ovos. Estes, uma vez ingeridos, libertam a forma móvel do parasita, que migra para o tecido nervoso e muscular onde se aloja. Desta forma, a carne destes animais (sem estar devidamente cozinhada) pode levar a que o humano contraia a doença, tal como acontece na ingestão de vegetais contaminados frescos mal lavados, ou pelo manuseamento do areão do gato (contendo fezes).

A toxoplasmose, num adulto saudável, pode cursar de forma discreta, não causando nenhum quadro clínico específico. Na grávida tem outra relevância, uma vez que a infeção pode atingir o bebé, causa o que chamamos “infeção congénita”.

A placenta constitui uma defesa para a passagem do parasita da mãe para o filho, sendo tanto mais eficaz quanto mais precoce a gravidez. No entanto, se no primeiro trimestre ela é bastante eficaz e só permite a transmissão em 15% dos casos, quando esta barreira falha, as consequências podem ser tão graves como um aborto, a morte perinatal ou sequelas neurológicas. Em contrapartida, no terceiro trimestre, ainda que a taxa de transmissão materno-fetal ronde os 60%, as consequências para o feto são muito mais ligeiras. Assim, embora o quadro da toxoplasmose congénita descrito classicamente inclua alterações oculares (corioretinite), calcificações intracranianas e hidrocefalia, 75-90% dos recém-nascidos estão assintomáticos nos primeiros 1 a 2 meses. Porém, a longo prazo, poderão revelar-se alterações como dor de cabeça, perturbações da visão, microcefalia, hidrocefalia, calcificações intracranianas e quadros neurológicos como diminuição da força, surdez e atraso do desenvolvimento cognitivo da criança.


De Mãe para Mãe Marcela Forjaz Desmistificar a Toxoplasmose


A tónica deve ser colocada na prevenção

Os cuidados principais prendem-se com normas de higiene alimentar: lavar bem os alimentos frescos com água corrente, lavar os utensílios que se utilizam ao manusear a carne crua - não os passando diretamente para os vegetais que se vão consumir crus -, cozinhar bem todas as carnes, só consumir carnes fumadas se estas forem, também, cozinhadas.

Depois, sabendo que o gato é o hospedeiro que permite a reprodução do parasita e a sua disseminação, a grávida deve ter alguns cuidados como evitar manusear o areão ou, se tiver de o fazer, utilizando luvas e lavando muito cuidadosamente as mãos após essa tarefa. O areão deve ser tratado diariamente, já que os ovos expelidos nas fezes não se tornam imediatamente ativos e aptos a infetar, levando entre 2 a 5 dias a tornarem-se infetantes; os gatos devem ser mantidos em casa, evitando que saiam à rua. Por fim, não se deve alimentar os gatos com alimentos crus, mas sim com rações.


E se tudo falhar? Se a grávida for infetada pelo toxoplasma?

Nesse caso, passamos a uma prevenção secundária: evitar ativamente que o bebé seja infetado, fazendo o diagnóstico precoce à mãe e iniciando terapêutica tão cedo quanto possível. Na verdade, mesmo que não se tenha ainda a certeza do diagnóstico, a suspeita justifica instituir terapêutica.

O passo seguinte será entender se o feto foi afetado, fazendo-se uma amniocentese (a ecografia é útil apenas na toxoplasmose grave) e podendo ainda fazer-se uma cordocentese para avaliação da resposta imunológica fetal. O tratamento deve ser mantido até ao parto, segundo um dos vários esquemas possíveis, de forma a prevenir que o bebé fique com sequelas graves.


Em suma…

Se a grávida não está imune para a toxoplasmose, a estatística está a seu favor e, mantendo apenas os cuidados de higiene que teve até à data, o risco de vir a ter toxoplasmose na gravidez é muito baixo.

Uma vez que é alertada pelos profissionais de saúde para os riscos e formas de prevenir a doença, e uma vez que as medidas de prevenção são simples e acessíveis, será exequível manter-se salvaguardada desta infeção cumprindo esses cuidados. Nos protocolos de vigilância da gravidez está contemplada a análise de deteção da toxoplasmose uma vez por trimestre, o que permitirá um diagnóstico caso a hipótese remota de infeção ocorra.

Por fim, é bom ter presente que, no caso do improvável acontecer, há ainda meios para esclarecer se o feto foi ou não atingido pelo parasita. Em época pandémica torna-se redundante recomendar que se lave as mãos antes e depois de cozinhar, antes de comer, que não se mexa na cara e na boca... Mas a verdade é que estas são algumas das medidas-chave também para o controlo desta infeção.




Artigo publicado originalmente em janeiro de 2021, na edição #05 da Revista De Mãe para Mãe.

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