Amamentação: para o que não nos preparam | De Mãe para Mãe

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Amamentação: para o que não nos preparam

Ana BárbaraAna Bárbara, Conselheira em Aleitamento Materno (OMS/UNICEF) e Assessora de Lactação.


Ter um bebé nos braços é o início do amor mais puro e absoluto. É um amor que nasce da mais ínfima das nossas entranhas e nos arrebata. Li, recentemente, num livro da autoria de Rafaela Carvalho, que “o amor de mãe vem do núcleo de cada célula. Vem da alma, dos ossos, de todos os pedaços”. E por ser um amor tão imediato e romântico, a maternidade soa como a nossa canção preferida.

Ninguém nos avisa que, quando o bebé nasce, nem sempre este amor é tão imediato assim, que o parto influencia o nosso bem-estar, recuperação e a amamentação. E a amamentação que “deveria ser” natural e intuitiva, afinal pode ser um desafio com o qual teremos de nos debater assim que o bebé nasce.

De repente, aquele momento solene e mágico do nascimento, torna-se uma corrida contra o tempo.


Maria Ribeiro


Ninguém nos prepara para a realidade com a qual muitas mães se deparam nos primeiros minutos de vida dos seus bebés. Ninguém nos prepara para o facto de não estarmos preparadas, e acedermos a algo aparentemente tão inofensivo como um biberão, mas que pode ser o início do fim da amamentação. Como profissional, apoio mães que cedo se depararam com dificuldades a amamentar os seus bebés. Por vezes, as dificuldades são evidentes ainda na maternidade, um freio curto, um bebé prematuro e/ou imaturo, gemelaridade, complicações maternas, ocorrências neonatais que podem levar à separação da díade, e a verdade é que se não estivermos devidamente informadas sobre as medidas que devemos iniciar para uma boa manutenção da amamentação, rapidamente perdemos a confiança no processo e ficamos reféns das opções que outros irão tomar por nós. No entanto, muitas são as mães que saem da maternidade a amamentar em exclusivo, mas também elas terão de lidar com a subida de leite, que ocorre normalmente por volta do terceiro dia, ou seja, o primeiro dia em casa com o seu bebé, e que costuma coincidir com as primeiras visitas. As mamas triplicam de tamanho, ficam duras, doem apenas por existirem, doem ao toque, doem mal o bebé tenta abocanhar. E no final da mamada continuam a doer, porque nenhum recém-nascido tem capacidade e estômago para tanto leite.


As mães, os pais e quem acompanha de perto a recém-família deviam estar preparados para esta saga. A mãe precisa de amamentar o bebé e, de seguida, fazer alguma coisa ao leite que fica nas mamas, pelo que seria perfeito que alguém pegasse no bebé com o mesmo amor, para que esta mãe possa dar vazão a tanto leite de outra forma (extrair manualmente até obter algum alívio é uma das alternativas).

Para os familiares e amigos que rodeiam estas mães numa fase tão particular como o puerpério, talvez seja prudente não dar palpites neste momento, assim como nos momentos e semanas que se seguem. As mães que acabaram de o ser precisam de se alimentar o melhor possível e manter uma boa ingestão de líquidos, não de receber palpites de tudo e de todos (até daqueles entes queridos que nunca amamentaram). E quem quiser tecer algum comentário ou observação, talvez deva começar por reconhecer a sua dedicação e o quão maravilhosa ela já é no seu novo papel de mãe.


Depois vem o choro (e o difícil que é compreender do que precisa o nosso bebé!). Pois bem, o nosso bebé precisa, essencialmente, da mãe, do leite materno (ou outro que o bebé tome), do embalo.

Na dúvida, recomendo que, sempre que o bebé chora ou se mostra inquieto, as mães ofereçam a maminha e permitam que o bebé mame enquanto quiser, até ficar satisfeito, até largar a maminha ou adormecer (está mais do que ultrapassada a recomendação de limitar o tempo de cada mamada a 5-10 minutos e numa mama só - um bebé pode precisar de mamar durante mais tempo e as duas).


Maria Ribeiro


Ninguém nos prepara para a exigência que é ter um bebé totalmente dependente de nós. E que dar de mamar vai passar a ocupar grande parte do nosso dia, que sair de casa com um bebé requer algum planeamento e organização. Ninguém nos prepara para o facto de, mesmo estando a dar o nosso melhor neste novo papel que é ser mãe, isso não vai chegar para calar comentários sobre o nosso leite e as nossas escolhas enquanto mães.

Na minha prática, e infelizmente também a nível pessoal, o que assisto é as mães estarem constantemente a serem postas em causa nas suas escolhas e competências, pelos profissionais e pessoas do seu círculo de relações.


Num dos últimos acompanhamentos que fiz, uma mãe relatou-me desta forma uma consulta com a Enfermeira de Família, "A enfermeira disse que deveria dar o biberão em cada mamada, que o meu leite não é bom – que as minhas mamas não passavam de chucha. Saí de lá com as mamas a doer, de ela tanto espremer para sair leite. O leite pingava e ela dizia que aquilo não chegava. Saí de lá de rastos."


Ninguém nos prepara para sermos alvo de uma crueldade como esta. As palavras doem e minam a confiança num processo que, por si só, não é tão fácil e intuitivo assim. E porquê? Se o bebé está biologicamente preparado para mamar e o leite materno é um alimento que se adapta às suas necessidades desde o nascimento, porque é que hoje, de uma forma geral, a amamentação se apresenta como um derradeiro desafio?

Talvez porque deixamos de ver mulheres darem de mamar - algo que, em tempos, era vital para os bebés. A verdade é que existem alternativas: o leite artificial começou a ganhar destaque e passou a ser uma opção até mesmo incentivada pelos profissionais. De certa forma, deixamos de acreditar em nós e no nosso potencial de nutrir os nossos bebés.


Felizmente, tive sempre a história da minha mãe muito presente, fui crescendo a ouvir que tinha mamado durante o primeiro ano de vida e que a minha mãe me ia amamentar à creche (na altura, a licença de maternidade era mais reduzida que atualmente). Das minhas amigas mais chegadas fui a primeira a engravidar, pelo que não conhecia mais nenhuma história de amamentação a não ser a da minha mãe. Para mim, amamentar foi algo que surgiu naturalmente e a verdade é que já tenho três filhas e todas elas mamaram em exclusivo até aos seis meses, tendo continuado por mais tempo.

Amamentar é uma dádiva para quem o quer fazer, por isso recomendo que, à primeira dificuldade, peça apoio especializado de quem verdadeiramente acredita em si e na amamentação. Não perca a confiança - é possível amamentar sem dor e de forma harmoniosa.

A amamentação pode ser simples e imediata para algumas mulheres e seria perfeito se pudesse listar um conjunto de recomendações que facilitassem o processo. No entanto, isso iria criar a ilusão de que a amamentação resulta se tivermos um guião - que até pode resultar para algumas mães, mas garantidamente, não irá resultar com todas.


Pode haver uma forte motivação e o desejo intrínseco de amamentar o bebé, sem dúvida que é essencial, mas não é menos importante compreender a anatomia das mamas e a fisiologia da amamentação. Só assim conseguirá alcançar a complexidade e o impacto das contrariedades que podem surgir. Integrar esta dimensão é mais útil do que seguir um guião que poderá não servir de muito se houver um verdadeiro problema, seja do lado da mãe ou do lado do bebé.

A título de exemplo, pensemos num bebé que foi identificado com freio curto lingual e, após avaliação da mamada, verificou-se impacto na mobilidade da língua e no mecanismo de extração de leite. Até resolver a questão do freio, é necessário adotar estratégias compensatórias, que podem passar por usar um mamilo de silicone transitoriamente (ao contrário do que atualmente se faz crer, os mamilos de silicone podem ser úteis e necessários em determinadas situações, idealmente com orientação de um profissional, e com um plano de atuação que preveja a sua retirada, assim que a limitação do bebé seja ultrapassada).


Por isso, mais do que ter um conjunto de recomendações gerais, empodere-se procurando aprofundar os seus conhecimentos sobre amamentação. Saiba identificar sinais de alerta para que possa agir rapidamente e consciente das medidas que deve aplicar na sua situação específica. Porque a amamentação é isso mesmo. Um bebé e uma mamã com particularidades muito próprias.


Ninguém nos prepara para o que nos espera, porque a verdade é que, com um bebé nos braços, tudo muda. Impera o amor, mas invade-nos o medo de que algo corra mal. Por isso mesmo, informe-se. Por si, pelo seu bebé. Prepare-se o melhor possível, para aquilo que ninguém nos prepara.


Artigo originalmente publicado na segunda edição da Revista De Mãe para Mãe, em janeiro de 2020.

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